A Taurus, fabricante brasileira de armas e munições, será obrigada a retirar do seu site e dos seus perfis nas redes sociais todas as fotos e vídeos contendo armamentos e munições, além de estar proibida de fazer propaganda de seus produtos fora dos canais especializados. Em ambos os casos, se descumprir a determinação pagará multa diária de R$ 100 mil.
A decisão é do juiz Airton Pinheiro de Castro, da 12ª Vara Cível de São Paulo, que aceitou os pedidos liminares em ação civil pública ajuizada contra a Taurus por advogadas e advogados da Rede Liberdade em nome da Comissão Arns, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), com o apoio técnico do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESEC e do Instituto Sou da Paz. Ele também determinou que a fabricante deixe de entregar ou recolher os produtos com emprego ilegal dos símbolos nacionais.
O juiz deferiu parcialmente os pedidos liminares das organizações, reconhecendo que, da forma como está, a publicidade da Taurus não atende aos comandos normativos. A publicidade de armas é vedada pelo Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, mas a empresa fez propaganda institucional de todos os seus produtos em seu site e redes sociais, além de ter realizado campanha publicitária de descontos promocionais de armas de fogo no período de 2 a 12 de setembro do ano passado.
Em sua decisão, o juiz cita os vários casos em que a fabricante foi punida pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e ressalta que, mesmo tendo sido punida, tornou a violar os parâmetros tanto do CONAR quanto do Estatuto do Desarmamento. A Taurus terá 15 dias para adequar todas as publicações de suas redes sociais e do seu site aos parâmetros. O juiz pediu ainda a intimação da União e do Exército para se manifestarem sobre o caso nos autos.
Na ação civil pública as organizações se fundamentaram também no Código de Defesa do Consumidor, que proíbe propaganda abusiva, e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define “armas” como conteúdo inadequado para crianças e adolescentes. A ação lembrou que a ilicitude e reiteração da conduta configuram a prática como abusiva do ponto de vista do consumidor, o que leva à “indenização por danos morais coletivos decorrentes da negligência no dever de alertar para os riscos do aumento da circulação de armas e do manuseio e acomodação inadequadas em ambiente doméstico”. Desde 2018 circulam posts com publicidade da empresa e de seus produtos.
“Os danos decorrem ainda da tentativa de se criar uma ideologia em torno da posse de armas de fogo, associando os itens de maneira leviana e enganosa a noções de patriotismo, a símbolos da cultura e da história nacional e a uma pretensa noção de autodefesa, que explora o imaginário popular de forma deletéria para a cultura de paz”, sustentou a ação.
Essa ideologia armamentista foi favorecida pela política de flexibilização da posse e do porte de armas de fogo, promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Foram mais de 40 novos regulamentos que, sem passar pelo Congresso Nacional, permitiram que cidadãos comuns pudessem possuir armas antes restritas às polícias, e andar armados em lugares públicos. Essa legislação será objeto de revogaço pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para Lucas Moraes Santos, advogado da Rede Liberdade, a decisão é mais um passo rumo à retomada da autoridade do Estatuto do Desarmamento, depois de quatro anos de virtual esvaziamento pela gestão anterior do Governo Federal, na esteira de decisões do STF e do novo governo que já vinham derrubando as medidas de flexibilização do acesso.
“A decisão reconhece que a Taurus vem realizando publicidade irregular e que desobedeceu reiteradamente às decisões do CONAR a esse respeito. E reconhece também o que o farto consenso científico em torno do tema evidencia: os efeitos deletérios das armas de fogo pra segurança pública. Quanto mais armas de fogo em circulação, mais crimes violentos e mortes”, afirma Lucas.
“Como a empresa não vinha cumprindo com as determinações legais, a liminar acaba sendo extremamente importante por garantir a restrição da oferta e apresentação desses produtos que são de extrema periculosidade e não devem ser expostos à população em geral no mercado de consumo. Nossa missão é garantir que essa decisão liminar se torne definitiva, de modo que os consumidores não sejam mais alvo desse tipo de publicidade abusiva”, afirma Christian Printes, coordenador do contencioso da área Jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Segundo o advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo e membro fundador da Comissão Arns, a decisão é um marco, mas as autoras e seus advogados ainda querem mais: “o objetivo, na verdade, é o banimento total da propaganda de armas e munições, restabelecendo a cultura de paz, ideia-matriz do Estatuto do Desarmamento, na qual não cabe a busca por armamento que se viu nos últimos quatro anos”, explica.
Como se trata de decisão liminar, a expectativa é, agora, consolidar a decisão e ampliar a restrição da publicidade de armas o máximo possível, reduzindo o incentivo à aquisição e ao manuseio de armas pela população, sobretudo, em tempos de tanta violência política.