Índios da etnia pataxó, de pelo menos 18 aldeias que ladeiam o Parque Nacional do Monte Pascoal, dos municípios de Porto Seguro, Prado, Itamaraju e Itabela bloquearam a BR-101 na tarde desta quinta-feira (31/08), durante 5 horas, na altura do Trevo do Parque Nacional do Monte Pascoal, no município de Itamaraju, objetivando combater o julgamento que foi retomado no STF – Supremo Tribunal Federal. A Corte analisa a tese de que indígenas só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Com a retomada do julgamento sobre o Marco Temporal no STF, indígenas de todo o país se mobilizam contra a tese defendida pelos ruralistas que trata da demarcação de terras. Durante o protesto de hoje (31), no Trevo do Parque, em Itamaraju, filas enormes de veículos se formaram nos dois sentidos da BR-101 e só permitiram passar, ambulâncias e carros de polícia. Lideranças e advogados indígenas, juristas e ambientalistas consideram que o critério poderá paralisar novas demarcações e também permitir o questionamento na Justiça de processos demarcatórios já concluídos.
Durante a paralisação da BR-101, hoje à tarde (31/08), o cacique Naô Xohã Pataxó, líder do Território Indígena Barra Velha, disse que as principais reivindicações dos indígenas são relativas à posse da terra, uma vez que já foi reconhecido legalmente o seu direito a elas a partir de sua condição de primeiros ocupantes, e porque a terra para eles é sagrada e elemento essencial para a preservação de seu modo de vida, sua cultura e suas tradições. “O marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e de florestas. Além de nos trazer um caos jurídico ao País e muitos conflitos em áreas já pacificadas, por provocar a revisão de reservas já demarcadas”, destacou o cacique Naô Xohã Pataxó.
Para o índio Licuri Pataxó, liderança da Aldeia Pé do Monte, na divisa territorial de Itamaraju e Porto Seguro, a tese, se aprovada, representará um genocídio. “É um genocídio legislado. O PL 490/07 é um perigo para a humanidade por permitir que se adentre territórios indígenas. O projeto é um retrocesso em relação à pauta ambiental no mundo. Defendemos uma economia na qual caibam a relação ambiental, nossos povos e nossa cultura. Vai afetar os povos isolados e vai permitir a entrada de terceiros onde vivem pessoas e povos que nunca tiveram contato com a sociedade”. O PL 490/07 ainda permite o garimpo ilegal nessas terras. Estamos lutando para acabar com o garimpo ilegal, nós assistimos o crime humanitário contra os yanomamis e pode acontecer com os pataxós também”, criticou o líder indígena Licuri Pataxó.
A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal. Mas, além do debate jurídico em andamento no STF, a tese do marco temporal está sendo votada, em paralelo, pelo Congresso Nacional – já tendo sido aprovada no último mês de maio pela Câmara dos Deputados e, atualmente, está tramitando no Senado Federal como PL 2.903/2023.
Entenda o que é o marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que determina que a demarcação de uma terra indígena só pode acontecer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988 – quando a atual Constituição Federal da República foi promulgada.
A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.
O tema tem relevância, porque será com este processo que os ministros vão definir se a tese do marco temporal tem validade ou não. O que for decidido valerá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estejam sendo discutidos na Justiça.
Julgamento no STF
Na tarde desta quinta-feira (31), o ministro Cristiano Zanin, do STF – Supremo Tribunal Federal, votou contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A tese estabelece que povos originários só podem reivindicar territórios que ocupavam à data da Constituição, em outubro de 1988. Zanin desempatou o placar, que está em 3 votos a 2 contra a validade da tese, que é defendida por ruralistas e rejeitada por indígenas. Depois do voto do magistrado, a Corte entrou em intervalo – faltam seis ministros, o próximo a votar é Luís Roberto Barroso.
Até o momento, votaram contra o marco temporal: o relator Edson Fachin e os ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Votaram a favor: os ministros Nunes Marques e André Mendonça. Grupos indígenas foram a Brasília protestar contra o marco temporal. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), mais de 600 lideranças indígenas estão na capital federal. Lideranças acompanham o julgamento de dentro do plenário. Estão lá o cacique Raoni, líder do povo Mẽbêngôkre (Kayapó), e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Houve também um telão do lado de fora do prédio do STF transmitindo a sessão.
Voto de Zanin
Em seu voto (hoje), Zanin também reconheceu a possibilidade de que ruralistas possam ser indenizados caso tenham ocupado, de boa-fé, uma área que seja reconhecida depois como terra indígena. O ministro defendeu a possibilidade de indenização pelas eventuais benfeitorias no local (o que a lei já prevê atualmente) e também a indenização pelo valor da terra em si, caso o poder público tenha destinado a área de forma indevida. Nesse caso, a indenização não fica restrita à União, podendo ser paga por estados e municípios.
Para Zanin, esse dever de indenizar não atrapalha nem interfere no procedimento de demarcação. Ou seja, a definição e o pagamento de indenização devem se dar em um outro processo, seja ele judicial ou de conciliação. Essa indenização deve ser definida caso a caso, avaliando a responsabilidade do poder público e a boa-fé do ocupante não indígena. Para os casos de terras indígenas já demarcadas, Zanin propõe que não haja possibilidade de indenização.